Um novo estudo científico comprovou a alta precisão do mapeamento de áreas rurais de uso consolidado feito pelo Instituto Centro de Vida (ICV) no estado de Mato Grosso.
Foi identificado um índice de 92% de acurácia geral para o mapa utilizado pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema/MT) no processo de identificação dessas áreas.
Os resultados da pesquisa foram dispostos no artigo científico “The 2008 map of consolidated rural areas in the Brazilian Legal Amazon state of Mato Grosso: Accuracy assessment and implications for the environmental regularization of rural properties”, publicado na última semana pela revista científica Land Use Policy.
As áreas rurais que sofreram desmatamento e estavam em uso até o dia 22 de julho de 2008 recebem, pelo Código Florestal, a classificação de uso consolidado, uma das categorias de uso de solo que pode ser declarada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento obrigatório para regularização ambiental.
A informação é validada posteriormente pelos órgãos responsáveis.
Fruto de um trabalho de parceria entre academia, terceiro setor e administração pública, a pesquisa destaca o mapeamento como referência para políticas públicas que visam assegurar a regularidade ambiental da produção agropecuária, principal economia do estado.
A partir de dados e imagens de satélite de 2008, o mapeamento das áreas de uso consolidado de Mato Grosso foi realizado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) sob revisão da SEMA/MT e publicado em 2017.
O uso do mapeamento já teve resultados importantes, como a emissão automática da Autorização Provisória de Funcionamento de Atividade Rural (APF Rural) para áreas que incidem sobre o mapa.
O mapeamento também subsidiou a constatação de divergências relativas às áreas consolidadas cadastradas no sistema, o que culminou na Operação Polygonum, uma investigação de seis fases que apurou esquemas de fraudes ambientais no estado e resultou no indiciamento criminal de mais de 70 pessoas entre 2018 e 2019.
DETERMINANDO O USO CONSOLIDADO
Como referência para elaboração do mapa e seu uso, a Sema lançou a Nota Técnica n° 001/2017, que dispõe sobre a metodologia de interpretação de imagens de satélite para a definição das áreas de uso consolidado.
O coordenador de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental da Sema, André Dias, é um dos autores, e explica que a base de referência supriu uma demanda do órgão de agilizar a verificação das informações de uso consolidado declaradas no CAR.
Atualmente, existem mais de 100 mil imóveis rurais cadastrados no SIMCAR (Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural). Do total, cerca de 45% dos cadastros já passaram por ao menos uma análise e mais de 60% dos cadastros analisados aguardam complementação.
“A análise, constitui, portanto, um dos gargalos para efetivação do CAR”, classifica Dias, que aponta a necessidade de melhorias na elaboração de normas e procedimentos, analistas capacitados e insumos tecnológicos, como as bases e imagens de referência.
Coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV e um dos autores da pesquisa, Vinícius Silgueiro, também comenta a importância da base de referência para identificação adequada das áreas de acordo com o definido pela legislação.
“A base possibilita a identificação dessas áreas e, por exemplo, alguns produtores cadastravam como área de uso consolidado um local onde passou fogo, e não é. É obrigatório pela definição que o Código Florestal trouxe que a área tenha sido convertida e esteja em uso”, afirma.
O Código Florestal determina que áreas abandonadas por mais de cinco anos, ou seja, já em processo de regeneração natural, também não podem ser classificadas como uso consolidado.
A legislação prevê uma série de benefícios aos proprietários rurais com áreas que entram nessa classificação, como isenção da obrigatoriedade de restaurar a porcentagem total exigida de Reserva Legal, além de suspensão de multas e sanções pelos desmatamentos anteriores a essa data.
A PESQUISA E OS RESULTADOS
Vinícius explica que a base de referência teve a eficiência questionada algumas vezes desde sua implementação, o que intensificou a necessidade de verificar a acurácia do material. O mapa foi construído principalmente com uso de imagens do satélite SPOT-5, de 2,5 metros de resolução espacial, datadas de 2008.
“Todo mapeamento possui certa discrepância com a realidade de campo. Mas, por ser um mapeamento pretérito, ou seja, com uma definição temporal de mais de dez anos atrás, a verificação de sua acurácia se mostrava ainda mais desafiadora”, conta o engenheiro florestal.
O que possibilitou o estudo foi um conjunto de fotografias aéreas encontradas no acervo da Sema, de operações realizadas, por coincidência e sorte, em julho de 2008.
“Nós cruzamos essas áreas mapeadas e as fotografias para checar se os pontos haviam sido bem verificados ou não”, explica Damien Arvor, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês) e da Université Rennes 2, da França.
Arvor explica que também foi realizada análise de erros de precisão no cruzamento dos dados. “Como as imagens de satélite tem uma resolução de 2,5 metros e as fotografias aéreas, de 60 centímetros, precisamos diferenciar os erros de classificação reais dos erros observados nas fronteiras de classes, os quais resultam da diferença de resolução”, afirma o pesquisador, que é especialista em dinâmica de uso e ocupação do solo na região sul da Amazônia brasileira.
A pesquisa rodou a análise separadamente para cada um dos três biomas presentes em Mato Grosso: Pantanal, Cerrado e Amazônia.
Um dos autores do artigo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Gustavo Nunes explica que as diferenças de cada bioma implicam nessa necessidade. “O planejamento e protocolo metodológico para mapeamento deve considerar o conhecimento de campo e de laboratório, aliado a análise individualizada para cada bioma”, explica.
O resultado, afirmam os pesquisadores no artigo, “é uma informação importante já que a regularização rural das propriedades é necessária para que o Brasil alcance os objetivos de reduzir a emissão de gases de efeito estufa”.
Apesar dos resultados positivos, os pesquisadores explicam que a base de referência ainda é suscetível a melhorias. “Quando apontada alguma inconsistência na base, o analista do CAR informa à coordenadoria, que após a devida verificação, procede a correção ou não da base”, explica Dias.
O trabalho simboliza o potencial da articulação entre sociedade civil, academia e órgãos público na gestão ambiental do estado. “Setores tecnicamente alicerçados por um objetivo comum de melhorar as políticas públicas ambientais”, conclui Silgueiro.
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