“Perdi muito alface no ano passado, foi um prejuízo grande demais”, relata Sérgio Paulo Mengardi, agricultor familiar de Alta Floresta, município mato-grossense localizado a cerca de 800 quilômetros de Cuiabá.
Os impactos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) somaram-se às dificuldades previamente enfrentadas pela agricultura familiar no norte e noroeste de Mato Grosso, região amazônica afastada dos grandes centros urbanos.
A situação de vulnerabilidade acentuada foi parcialmente amenizada pela Rota Local, projeto implementado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) que completou um ano de apoio na logística e comercialização de frutas, verduras e legumes da área rural.
Desde janeiro de 2020, a Rota Local resultou em mais de R$278 mil de faturamento para cerca de 25 famílias agricultoras da região.
A iniciativa integra o Redes Socioprodutivas, projeto financiado pelo Fundo Amazônia/BNDES e implementado pelo ICV desde 2018 para apoiar organizações comunitárias no fortalecimento das cadeias produtivas de café, babaçu, cacau, hortifrutigranjeiros e leite da região.
IMPACTOS DA COVID-19
A interrupção do fornecimento aos mercados institucionais por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), o fechamento de estabelecimentos e a suspensão das feiras causou impacto significativo na renda das famílias agricultoras de todo Brasil.
No ano passado, os agricultores também viram ser vetado quase integralmente pelo presidente Jair Bolsonaro o Projeto de Lei Assis de Carvalho (PL 735/2020), medida aprovada na Câmara e no Senado que previa uma série de auxílios à agricultura familiar durante a pandemia.
Os vetos ainda não entraram em pauta nas sessões realizadas pelo Congresso Nacional, mas o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) encaminhou uma recomendação formal ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, pela derrubada dos vetos.
Na região norte de Mato Grosso, a situação se agravou diante das dificuldades de logística e o distanciamento dos centros urbanos e os agricultores chegaram a ver as colheitas estragarem.
Um deles foi Sérgio, morador do Projeto do Assentamento Vila Rural e beneficiário da iniciativa.
“Mercado quase não ‘pegava’. O que a gente conseguia levar, as pessoas tinham medo de comprar. Foi muito complicado”, relembra. “Agora a Rota ajuda a gente a não perder produto, conseguindo entregar em mercados grandes, lugares que a gente não entregava nem antes.”
O trabalho contribui para evitar o desabastecimento de alimentos de alta qualidade e fundamentais no fortalecimento da imunidade da população da cidade, onde a maior parte dos mercados é abastecida por produtos provenientes de fora do estado.
Com um protocolo de segurança com práticas de distanciamento social, uso de equipamentos de proteção e a higienização correta de todos os materiais, o projeto assegura a manutenção do fornecimento dos produtos nos mercados locais.
Em paralelo, também contribui para diminuição dos riscos de exposição dos agricultores familiares ao coronavírus ao evitar o deslocamento das famílias até a cidade.
DIFICULDADES ANTERIORES
A necessidade do apoio aos agricultores familiares na região não surgiu com o novo vírus.
“O comércio, serviço e circulação de produtos principalmente entre a área rural e urbana é muito deficitária”, define Eduardo Darvin, coordenador do Programa de Negócios Sociais do ICV e um dos coordenadores da Rota Local.
As condições precárias das estradas, que na época chuvosa dificultam ainda mais a locomoção, a falta de serviços de logística e as dificuldades de negociação pelo escasso ou inexistente acesso à internet motivaram o surgimento da iniciativa.
Atualmente, a Rota Local atua diariamente na negociação, busca e entrega dos produtos em Alta Floresta, principal centro urbano da região.
Todo o processo é conduzido pelos técnicos do ICV em parceria e diálogo com os produtores e produtoras envolvidos.
“Somado a isso, a agricultura familiar é descapitalizada e conta com pouco ou nenhum apoio dos órgãos públicos. Assim, escoar a produção e fazer toda a logística para que o produto saia da propriedade e chegue na mesa do consumidor é um grande gargalo na região”, diz.
Em 2020, a iniciativa inovadora chegou a ser finalista do Prêmio Juventude Rural Inovadora na América Latina e no Caribe na categoria de ‘Inclusão Financeira’.
Sullivan da Silva, agricultor do município de Paranaíta e presidente da Cooperativa de Hortifrutigranjeiros (Coopervila), afirma que a Rota Local contribuiu para o não agravamento da situação de crise.
“Fez com que a gente não sentisse tanto os efeitos nas vendas. Resolvendo a questão da logística, a gente consegue ter mais tempo e se dedicar aos outros mercados mais próximos”, avalia.
Para Eduardo, os resultados do primeiro ano de projeto são animadores e significativos diante do contexto atual. “Principalmente dentro da realidade que enfrentamos, onde existe uma cadeia agroalimentar que oprime os produtores e em um local em que grande parte dos alimentos vem de outras regiões do país”, resume.