Maior produtor de soja e gado do Brasil, estado organizou estratégia batizada de Produzir, Conservar, Incluir (PCI) para colocar a economia na rota do desmatamento e emissões zero.
por Aldem Bourscheit
Uma iniciativa lançada na Conferência Mundial do Clima de 2015, em Paris (França), uniu governos, organizações não governamentais e setor produtivo para conter impactos socioambientais da agropecuária e economia mato-grossense. Diferentes entidades entenderam ser possível tornar a produção agropecuária e florestal no estado mais eficiente, reduzir o desmatamento e as emissões de gases que ampliam o efeito estufa, conservar e recuperar a vegetação nativa. Mas, para isso, era preciso buscar investimentos.
Assim nasceu o Produzir, Conservar e Incluir (PCI). Sua principal meta é reduzir as emissões de carbono por Mato Grosso, um dos líderes históricos em desmatamento da Amazônia. No Brasil, as mudanças no uso da terra, como a destruição florestal, são a principal fonte do gás, um dos principais causadores da crise climática. O Mato Grosso responde por 10,6% das emissões nacionais, ocupando o segundo posto no ranking, logo atrás do Pará.
Desde sua criação, o PCI é atualizado. Em 2019, foi criado o Instituto PCI, com entidades privadas, governamentais e civis, para garantir resiliência à estratégia diante das trocas de governo. A ideia é que o PCI se torne uma política de estado.
O PCI se desdobra em uma série de ações. Uma das mais bem-sucedidas até agora foi viabilizar investimentos no aumento da fiscalização estadual contra crimes ambientais. “Os investimentos permitem até o embargo remoto de áreas onde ocorrem crimes. Isso fez a diferença para conter desmatamentos e incêndios. Sem o PCI, dificilmente esses recursos teriam sido aplicados neste esforço. E isso ocorreu num momento em que a fiscalização ambiental federal caía vertiginosamente”, destacou Alice Thuault, diretora-adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV) do Mato Grosso. Segundo um relatório do ICV, em 2020 houve reduções de 76% nos embargos e de 62% nos autos de infração registrados pela fiscalização federal em relação a 2019. Foram os menores índices em 10 anos. Enquanto isso, o estado registrou mais de 2 mil autos de infração contra ilícitos emitidos entre janeiro e outubro de 2020, 33% superiores ao registrado em todo o ano anterior.
Outras metas do PCI são produzir mais grãos, carne e madeira em áreas já degradadas ou desmatadas, manter seis em cada dez hectares da vegetação nativa, implantar 100% da legislação florestal, aumentar a participação da agricultura familiar no mercado interno e eliminar o desmatamento ilegal.
Metas do PCI
O diretor-executivo do Instituto PCI, Fernando Sampaio, avalia que as metas de produção avançaram graças ao próprio setor. “Pecuária e soja aumentaram produtividade em áreas não florestais”, disse. “E uma força-tarefa destacada pelo governo fez a validação de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) passar de 500 mensais para 5 mil mensais”, destacou o engenheiro agrônomo. O CAR é um registro eletrônico obrigatório para proprietários e posseiros rurais definido pela legislação florestal federal publicada em 2012. Validá-lo consiste em verificar se os registros não se sobrepõem a áreas protegidas e outros imóveis e se cumprem a legislação ambiental.
Outra iniciativa azeitada pelo PCI foi o compromisso assumido por Mato Grosso de zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050, ao lado de outros governos amazônicos e de outras regiões do país. Emissões líquidas são zeradas quando há um equilíbrio entre a emissão e a remoção de gases do efeito estufa da atmosfera. Isso depende da mesma forma da ampliação do manejo sustentável e da contenção de incêndios florestais, da regularização fundiária e da recuperação da vegetação nativa.
Um desafio e tanto para o maior produtor brasileiro de soja, milho, algodão e gado, que também abriga 43 etnias indígenas, grandes cursos d’água e que pode crescer em ecoturismo, produção familiar e conservação da natureza. “A PCI inspira outros processos e investimentos e prepara o estado para reduzir seus desmates e emissões. É uma estratégia positiva para a mobilização de governos e de outros atores, mesmo ainda carente de mais resultados práticos”, ressaltou Alice Thuault, do ICV.
Mas ainda falta avançar. Entidades civis, privadas e públicas que monitoram a estratégia concluíram ser preciso mais informações técnicas para o monitoramento das metas, um reforço ao CAR, à restauração florestal e um atenção especial à inclusão socioprodutiva satisfatória de pequenos e médios produtores.
Para Sampaio, o progresso da iniciativa está vinculado também a um melhor entendimento das dinâmicas econômicas, sociais e ambientais no estado, bem como na consolidação de equipes em diferentes regiões que poderão acelerar o cumprimento das metas. “Comitês serão formados de início em Juruena, Cotriguaçu, Sorriso, Barra do Garças e Tangará da Serra. O monitoramento será qualificado e atualizado com parcerias com MapBiomas e Lapig. Medidas como essa devem melhorar o entendimento sobre onde cada meta será mais bem cumprida no estado e com quais recursos ou investimentos, se públicos, privados ou de cooperação internacional”, explicou.
Estimativas do governo mato-grossense e de ONGs calculam que serão necessários até R$ 43 bilhões para tornar o programa uma realidade até 2030.
Estimativas do governo mato-grossense e de ONGs calculam que serão necessários até R$ 43 bilhões para tornar o programa uma realidade até 2030. Mato Grosso e outros governos amazônicos estão buscando recursos para conservação e produção menos destrutiva na Amazônia em diferentes fontes, inclusive junto ao governo Biden. Em agosto, um representante do governo norte-americano debateu projetos de conservação com os nove governadores da Amazônia Legal.
“O PCI mostra que há muito a se fazer e que investimentos têm retorno junto aos estados. Nenhum governo fará tudo sozinho. Daí também a importância das ações do setor privado, que tem assumido agendas próprias de sustentabilidade. Há pressão do mercado e do setor financeiro por adequações socioambientais nas cadeias produtivas”, comentou Sampaio.
Na rota por maior exposição em busca de recursos internacionais, metas atualizadas do programa serão apresentadas na 26ª Conferência das Nações Unidas do Clima, de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, na Escócia. “As alterações ainda estão sendo negociadas, mas não queremos que sejam reduzidas, que haja retrocesso. Pelo contrário, é preciso estabelecer metas para a proteção e inclusão dos indígenas, definir objetivos prioritários ao longo do tempo e para as diferentes regiões do estado. Precisamos das metas para trabalhar e pressionar pela descarbonização da economia mato-grossense”, ressaltou Alice Thuault, do ICV.
Fonte: https://plenamata.eco/2021/10/14/mato-grosso-quer-reduzir-impactos-socioambientais-agropecuaria/